Escolhas...

A mala pronta no canto do quarto, a passagem no envelope em cima da mesa, papéis que fizeram parte dos últimos quatro anos da minha vida sem nenhuma utilidade agora… É meu último dia de uma pequena parcela de vida que agora deixo para trás. É meu primeiro dia do resto de uma nova vida que começa agora. Eu admito que volto um pouco vencido, não por voltar, já que a saudade do meu país e de tudo o que ele tem de bom ainda pulsa dentro de mim. Mas eu sou a favor de escolhas, de opções, de saídas… Sentir-me obrigado a fazer algo é o mesmo que sentir-me morto. Me pergunto se as escolhas realmente existem, até que ponto elas são reais. Eu me lembro dos motivos que me levaram a deixar o Brasil há quatro anos atrás: apesar da obrigação de dar a volta por cima em uma situação negativa podar um pouco o meu desejo, a sede de “ conhecer coisas novas”  me impelia a bater asas, a voar pra longe. O fato de não ter sido propriamente uma escolha me impedia de estar feliz, mas eu trazia comigo uma mala cheia de sonhos, projectos e esperanças. Eu queria conhecer um mundo novo, fazer dezenas de novos amigos, absorver toda a cultura que fosse possível. O desejo me levou para a Espanha e a necessidade me obrigou a vir para Portugal. Era novamente o poder de escolha sem mais que uma alternativa. Entretanto, nada que me pudesse impedir de recomeçar e de alcançar os meus objectivos. Porém, nada é como desejamos e os meus sonhos tiveram que bater em barreiras fortes demais para serem quebradas. E então, quatro anos depois, eu vejo a mala no canto do quarto de um apartamento compartilhado por pessoas que nada têm em comum umas com as outras, a passagem em cima da mesa, e volto a pensar nas escolhas. Se eu pudesse escolher eu decidiria voltar em um outro momento, quando eu tivesse algo de bom para contar, quando eu pudesse dizer que valeu a pena, mas a minha única escolha é voltar agora, pois tudo se tornou difícil demais. Eu não regresso vencido, pois sei o quanto foi difícil lutar sozinho contra um batalhão e ainda sair vivo. Não realizei meus sonhos de conhecer vários países, não fiz dezenas de amigos, mas fiz três ou quatro que se tornaram pessoas muito especiais para mim; financeiramente volto pior do que antes (e isso já deve ter corrido de boca em boca, rssss, as pessoas adoram esse tipo de coisa, e eu adoro dizer a verdade para que elas tenham assunto), psicologicamente eu volto balançado mas de pé e, junto com os sonhos que eu trouxe e não realizei,  levo coisas novas que aprendi por aqui, levo exemplos de pessoas muito boas e de outras muito más, algumas extremamente corretas e outras irritantemente desonestas, levo a certeza de que em todo lugar existe preconceito assim como existe amizade, compaixão e respeito. Levo uma mala cheia de novos sonhos e um desejo enorme de recomeçar. Vou feliz em saber que vou rever amigos, família, o sol da minha pátria, saber que talvez eu posso voltar a ter uma vida normal, com risadas, celebrada com cerveja e boas companhias, voleibol e banho de sol no fim-de-semana. Não sei como vai ser, realmente, minha vida daqui pra frente, e confesso que tenho medo de tanta coisa ruim que tem no Brasil tanto quanto tenho medo de sofrer da tal síndrome do retorno, mas admito também que tenho medo de descobrir que eu gosto tanto do meu país, a ponto de nunca mais querer bater asas e sair de lá, nem para passear. É por isso que fico olhando para a mala no canto do quarto, a passagem em cima da mesa e pensando nas escolhas que a vida possa obrigar-me a fazer futuramente, sem me dar de verdade o direito real de escolha.